Instigados pelo contexto que vivenciamos nesta segunda década do século XXI, no Brasil e no mundo, pensamos que este XXII encontro dos psicanalistas do CBP poderia dar continuidade às reflexões que fizemos no congresso do CPRS, em Porto Alegre, 2015, sobre “Conexões Virtuais. Diálogos com a psicanálise” .
O épico do cinema, de 1956, Giant (Gigante), que recebeu o título de “Assim caminha a humanidade”, formula uma inequívoca mensagem de crítica e logo surgiu como associação na medida em que fala de um momento da história sublinhando suas transformações, seus conflitos amorosos e de gerações, a intolerância racial jamais veiculada por este meio, até então, a opressão das mulheres e a dissipação moral; tudo isso sobre o fundo das disputas econômicas entre os tradicionais pecuaristas e os novos ricos magnatas do petróleo do “Novo Oeste” americano.
Partindo dessas associações, formulamos a proposta de indagar nesse encontro o que temos nós, psicanalistas, a dizer a respeito das transformações que os modos de vida, a subjetividade e as instituições da civilização vem demonstrando, a partir desse novo discurso inaugurado por Freud. Além disso, poderemos indagar sobre as mudanças que a própria saga psicanalítica, em constante movimento, sofre ao longo desse caminho até nossos dias, com vistas ao futuro.
Argumento
Por Martin Mezza
A persistência do movimento psicanalítico – que já dura mais de um século – radica, segundo a interpretação de Lacan, na distância que mantém com o discurso médico. Há na psicanálise “algo além da sua utilização médica, algo que concerne ao homem de forma absolutamente nova, séria e autêntica”, diz ele em 1959 (1). O descobrimento freudiano alcança a verdade ali onde a razão a deprecia, a enfatuação do poder a desconhece e a evidência a aniquila. A verdade fala onde menos se pensa: no sofrimento (2).
Mas, como essa verdade transitou no século XX? Como ingressa no século XXI? A partir de que transformações, de que continuidades ou descontinuidades? Com que máscaras se oculta? Mediante que sombras se revela? A partir de que sofrimentos – de que impensáveis – fala?
O descobrimento psicanalítico surge na antessala do século XX, cujo umbral foi desenhado pelos efeitos devastadores da Primeira Guerra Mundial, na Europa capitalista e democrática, que tem em seu avesso a alteridade negada: a dominação colonial e a escravidão dos corpos africanos. No começo do século XX, o pensamento moderno ocidental é um pensamento abissal, na visão de Boaventura Santos (3), pois a partir de divisões – visíveis e invisíveis – produz uma eliminação radical do Outro. A humanidade moderna, desde as colônias até os dias atuais, não se concebe sem uma sub-humanidade moderna.
Mesmo desiludido e amargurado nos primeiros estrondos da guerra, isto não impediu Freud de escutar a mensagem que se articulava: os Estados que dominam o mundo enquanto “guardiões das normas éticas” compartilham a falta de ética e brutalidade que imputam aos povos dominados, esboço de um pensamento que capta a nova relação – sofredora – entre indivíduo e “Estado Beligerante”. Condensada no significante desilusão, a relação entre sujeito e Outro (Estatal) se caracteriza pela posição desse Outro como estranho/estrangeiro/inimigo e, para combatê-lo, se entrega a todas as injustiças e violências, fraudes e mentiras. Os transtornos dos valores comprometem a imparcialidade e a verdade da ciência: “O antropólogo tem que declarar inferior e degenerado ao oponente e o psiquiatra proclamar o diagnóstico da sua doença mental ou anímica”, nos diz Freud (4).
Os ecos da mensagem freudiana se expandiram pelo mundo a traves das disputas, extravios e desvios dos integrantes do pequeno círculo de Viena; atravessaram os campos minados da Europa, e as águas agitadas do atlântico, para serem acolhidos na diversidade de saberes – desde a psiquiatria até a literatura – que compõem as ciências humanas, como nos conta Freud. Assim conseguiu articular seus princípios, justamente aí, no bojo onde se gestava a obsessão do século: criar um homem novo (5).
Mais adiante, a intervenção norte-americana, menos motivada por princípios humanitários contra o racismo e mais preocupada por o expansionismo alemão, iniciou a libertação do homem da política, separou o homem – velho e novo – do projeto e lhe ofereceu sua segunda natureza, sua segunda morte: o mercado.
Depois de um período onde o pensamento abissal moderno se expandia praticamente na superfície, nada como a mão invisível para “reorganizar” os ego-ísmos e renovar o imperativo liberal: Laissez faire et laissez passer, le monde va de lui même. Mas não é apenas o mundo que anda só, também o faz o indivíduo.
O individualismo moderno, diagnosticado prematuramente por Hegel como uma ameaça para o laço social, projeta a sombra do homem a partir de uma pequena ilha de liberdade – localizada em Manhattan – que ilumina o mundo (Liberty Enlightening the World) ao mesmo tempo que petrifica o homem. O isolamento da liberdade e a “privatização ou exclusão de certas esferas da vida, da interação social” sustentam um pensamento que apenas reflete a estrutura espacial das consciências (6).
A partir daqui, o impensável é a relação, que não tem mais estrutura e regularidades, nem verdade. É no seio desta singular conformação da cultura anti-histórica onde, apenas, se acolheu o sonho diurno do pai da psicanálise para vedar a seus filhos todo acesso à experiência do inconsciente. A psicanálise se integra a medicina e, de mãos dadas com a prática normalizadora da psiquiatria colabora na construção da ética do indivíduo de sucesso e felicidade (2). Detrimento da lei em função da norma; o desejo cede à demanda. Estamos no campo da biopolítica.
As técnicas de poder implantam as sexualidades polimorfas e a multiplicação dos discursos que, a partir daí, estão destinados a registrar, transcrever e redistribuir o que se disse do sexo. É aqui onde se faz a crítica à psicanálise (7) no que ela pode ter de continuidade com a confissão cristã e com os efeitos de poder da ciência, mas também se assinala uma posição possível da psicanálise, ou do psicanalista, num outro lugar sumamente destacado para não considerá-lo, em relação à biopolítica: o de ter restituído a lei, o sistema de alianças, a consanguinidade proibida e a ordem simbólica da sexualidade, no seio da normatividade imposta pela neuropsiquiatria, no preciso momento em que o racismo, através dos dispositivos de sexualidade, fazia da pureza do sangue o exercício do poder político.
O grito de liberdade de gênero e direito a identidade articula uma liberação ou uma opressão? Qual é a relação com a biopolítica? Que verdade se articula ou deixa de se articular na vontade de saber ou na vontade de poder?
A promessa pós-moderna de liberdade, contaminada de niilismo, acaba por se liquidificar no discurso capitalista – neoliberal – produtor de novas modalidades de infinitização do gozo. No vácuo causado pela morte de Deus (Sartre) e a morte do homem (Foucault), vemos surgir a “paixão do real” (5) que, mediante a técnica (a Gestell de Heidegger) e seu imperialismo tecnológico, ameaça realizar a mudança do homem sem projeto e sem responsáveis.
A psicanálise articulou seu pensamento e sua ética sobre a tragédia do desejo no espaço entre duas mortes. A tragédia de Antígona, mas também de Sygne de Coûfontaine; a morte de Deus, mas também a morte do homem, nos giros entre o discurso do Mestre e o do capitalismo. Efeitos do discurso capitalista que impõe um sujeito neoliberal exigido e culpabilizado pelo exercício da auto superação constante; pela invenção e reinvenção permanente de si mesmo (8). Aqui cabe lembrar Lacan (2) quando diz que é “na articulação do poder e a verdade onde Freud sustenta a impossibilidade de educar, governar e psicanalisar. O sujeito pode ser falho nas bordas da verdade”.
Aguardamos que este encontro entre analistas propicie uma nova oportunidade para considerar o estado atual da novidade, da seriedade e da autenticidade que constituem o alicerce da persistência da psicanálise. Que a breve interrupção de nosso trabalho cotidiano de analistas, seja uma oportunidade para continuar pensando a função dos analistas e o sentido da análise no século XXI.
1. LACAN, JACQUES. Seminario 6: el deseo y su interpretación. 1 ed. – Ciudad Autónoma de Buenos Aires: Paidós, 2014.
2. LACAN, JACQUES. A coisa freudiana. Ou sentido de retorno a Freud em psicanálise (1956). Escritos; tradução Ver Ribeiro – Rio de Janeiro: Zahar, 1998.
3. SANTOS, BOAVENTURA DE SOUSA. Para além do pensamento abissal: das linhas globais a uma ecologia de saberes. Novos estud. - CEBRAP, São Paulo , n. 79, p. 71-94, Nov. 2007
.
4. FREUD, SIGMUND. De Guerra y muerte. Temas de actualidad (1915). Volumen 14, Obras completas. Buenos Aires: Amorrortu editores, séptima reimpresión, 1996.
5. BADIOU, ALAIN. El siglo. Buenos Aires: Mananatial, 2005.
6. ELIAS, NORBERT. A Sociedade dos Indivíduos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar ed., 1994
7. FOUCAULT, MICHEL. Historia de la sexualidad. 1 - La voluntad de saber. Buenos Aires: Siglo XXI Editores Argentina, 2003.
8. ALEMÁN, JORGE. Jacques Lacan y el debate posmoderno. Buenos Aires: Ediciones Del Seminario, 2000.
09:00 – Conferência:
O fascismo... em nós. Do mito da Torre de Babel à psicanálise.
Paolo Lollo (FR)
Coordenação: Paulo Roberto Ceccarelli
10:15 – Coffee-break
10:30 – Painel Temático:
Agressividade, violência, terror e terrorismo.
Raízes da violência no Brasil: impasses e possibilidades.
Eliana Rodrigues Pereira Mendes (MG)
Violência e terror nas redes sociais: considerações sobre cultura, desamparo e narcisismo.
Elizabeth Samuel Levy (CPPA)
Jovens em tempos de cólera: descaminhos do afeto.
Juliana Marques Caldeira Borges (CPMG)
Coordenação: Cleo José Mallmann (CPRS)
12:30 - Almoço
14:00 – Abertura oficial do evento
Comunicação da coordenadora da Faculdade Rui Barbosa
Palavra do Presidente do CBP, Anchyses Jobim Lopes (CBP-RJ)
Palavra da Presidente do CPB, Cibele P. Barbieri (CPB)
Homenagens.
Gildete Lino de Carvalho (CPB)
Palestra de abertura:
Assim caminhou a humanidade. A cultura da imagem na contramão da subjetividade.
Mª Mazzarello Cotta Ribeiro (CPMG)
15:00 - Apresentação: Os Insênicos e Bando Flores da Massa
16:00 – Painel temático:
Desafios atuais da clínica psicanalítica.
Esconderijos e medos.
Maria Beatriz Jacques Ramos (CPRS)
Liberdade absoluta, individualismo e loucura moderna.
Martin Mezza (CPB)
O futuro da clínica psicanalítica no mundo das coisas.
Ricardo Azevedo Barreto (CPS)
Coordenação: Stetina de Meneses Dacorso (CBP-RJ)
18:00 – Coffee break
18:15 – Conferência:
A Psicanálise como Crítica do Contemporâneo.
Chrystian Dunker (SP)
Coordenação: Martin Mezza
20:15 - Término das Atividades
17/11/2017 (sexta-feira)
8:30 – Comunicações Simultâneas
SALA A
Lou Andreas Salomé: o que você tem a nos dizer?
Stetina Trani de Meneses Dacorso
Psicanálise: uma abordagem conceitual e evolucionista da teoria freudiana.
Renata Franco Leite, Fernanda Nunes Macedo e Sara Bezerra
Empatia psicanalítica: possibilidades e dificuldades.
Francisco de Assis Duque
Coordenação: Mª Beatriz Jacques Ramos (CPRS)
SALA B
Pierre Rivière e o kakon nosso de cada dia.
Sônia Leão Henriques
Psicopatia, violência e crueldade: agressores sexuais sádicos e sistemáticos.
Maria das Mercês Maia Muribeca
Violência Doméstica: bate-se numa criança.
Vanessa Campos Santoro
Coordenação: Mª Thereza Velloso (CPB)
AUDITÓRIO
Uma perspectiva psicanalítica sobre a transitoriedade: o cuidar no final da vida.
Ana Carolina Peck Vasconcelos
Reflexões sobre o envelhecer: A escuta psicanalítica num serviço de pesquisa com idosos.
Waleska Farenzena Fochesatto
Clínica psicanalítica com idosos e suas especificidades.
José Mauricio da Silva
Coordenação: Juliana Caldeira Borges( CPMG)
10:00 – Coffee Break
10:15 - Comunicações simultâneas
SALA A
Tornar-se analista: os impasses da formação no exercício da prática psicanalítica.
Bruno dos Santos Oliveira
Plantão psicológico e a escuta da urgência: uma possibilidade para a psicanálise em extensão.
Samantha Moraes Cabral Lobato e Elizabeth Samuel Levy
O adoecimento humano e sua interface com a psicossomática.
Ana Cristina de Araújo Vianna
Coordenação: Maria Mazzarello Cotta Ribeiro (CPMG)
SALA B
A tragédia de cada dia, falando do não.
Anna Amélia de Faria
Considerações psicanalíticas sobre preconceito racial: um estudo de caso.
Robenilson Barreto e Paulo Roberto Ceccarelli
É preciso ter raça... sempre?
Alba Riva Almeida
Coordenação: Ajurimar Borges de Barros Sanches (CPB)
AUDITÓRIO
Considerações iniciais sobre a melancolia.
Gabriela Lazarini
Luto e melancolia: travessias clínicas.
Luciana Knijnik
Lidando com o luto: atuação, humor, sublimação.
Anna Barbara de Freitas Carneiro
Coordenação : Mª Lúcia Mello (CPB)
12:00 – Almoço
14:00 - Comunicações Simultâneas
SALA A
A escuta e prática clínica com crianças.
Isabella Rosa de Oliveira
O brincar, ainda?
Gildete Lino de Carvalho
Desafios da Clínica da Adoção: Devolução de Crianças.
Sheila Speck
Pais & Filhos: Construindo Lugares.
Euremilter Maria Mombach
Coordenação: Anabela Queiroz (CPB)
SALA B
Adolescência: uma vivência nem sempre fácil.
Luís Antônio Franckowiak Pokorski
O Menino que PIA: Fragmentos de uma experiência com a Medida Socioeducativa.
Daiane Ribeiro
Impacto psíquico da fragilidade de laços afetivos e vínculos familiares entre crianças e adolescente acolhidos na modalidade de abrigo.
Fernanda Nunes Macedo, Renata Franco Leite e Sara Bezerra
A família em trans(ição): atendimento no plantão psicológico em clinica escola.
Lucas Dourado Leão, Samantha Moraes Cabral Lobato e Elizabeth Samuel Levy
Coordenação: Gabriela Lazarini
AUDITÓRIO
Psicanálise: uma relação dialética entre o individual e o social?
Magda Maria Colao e Janes Teresinha Fraga Siqueira
O totem da deusa razão e o tabu do imperativo categórico: reflexões sobre ética e Psicanálise na modernidade e pós-modernidade.
Michell Alves Ferreira de Mello
Trabalho, mestre capitalista e psicanálise.
Alice Moreira-Pellet e Otacílio José Ribeiro
Joyce por Lacan: aproximações a partir do objeto a.
Wânia Suely Santos da Silva
Coordenação: Anchyses Jobim Lopes
16:00 – Coffee Break
16:15 – Painel Temático:
Política, psicanálise e biopolítica.
Herança arcaica e política no Brasil
Arlindo Carlos Pimenta (CPMG)
O que a psicanálise tem a dizer sobre política?
Cibele Prado Barbieri (CPB)
A psicanálise e o mal-estar na contemporaneidade.
José Antônio Pereira da Silva (Campo Psicanalítico, BA)
Coordenação: Vanessa Campos Santoro (CPMG)
18:30 - Conferência:
A Situação da Psicanálise e a Formação do Psicanalista em 2017.
Ricardo Goldenberg (SP)
Coordenação: Cibele Prado Barbieri
20: 30 – Término das Atividades
21h 30m – Jantar por Adesão
18/11/2017 (sábado)
8:30 - MINI CURSO:
O real, o corpo e o gozo: três pedras nos sapatos dos lacanianos.
Ricardo Goldenberg (SP)
12:00 – Almoço
14:00 – Comunicações simultâneas
SALA A
Eu não brinco, tu não brincas, ela brinca – a função do brincar na constituição do sujeito.
Mariluce Silva Almeida Machado
Winnicott e a mãe suficientemente boa.
Paulo Emanuel Machado
Psicanálise: quando o falar é um obstáculo.
Maria Melania Wagner Franckowiak Pokorski
Coordenação: Gildete Lino de Carvalho (CPB)
SALA B
O tempo em análise: uma questão de tempo?
Sara Bezerra Costa Andrade, Fernanda Nunes Macedo e Renata Franco Leite
O lugar do sintoma no sofrimento psíquico: o que esconde e o que revela.
Noeli Reck Maggi
Sobre a flexibilidade da escuta na clínica psicanalítica.
Andreza G. de Carvalho
Coordenação: Cleo José Mallmann (CPRS)
AUDITÓRIO
Corpo negro e pornografia: A fantasia do negro pauzudo.
Paulo Esber Barros e Robenilson Barreto
Feminilidade e Maternidade na atualidade.
Priscilla Ribeiro
Homens (im)potentes sexualmente. Uma leitura psicanalítica.
Luan Sampaio Silva e Paulo Roberto Ceccarelli
Coordenação: Albenor Fonseca (CPB)
15:30 – Coffee Break
15:45 - Painel Temático:
Sexualidade, Gênero e Identidade.
Transexualidades. Desafio á psicanálise no século XXI.
Anchyses Jobim Lopes (CBP-RJ)
Se fazer Homem e se fazer Mulher.
Aurélio Souza (Espaço Moebius,BA)
Psicanálise, sexo e gênero.
Paulo Roberto Ceccarelli (CPMG)
Coordenação: Mª Mazzarello Cotta Ribeiro ( CPMG)
17:45 – Encerramento– Anchyses Jobim Lopes. Presidente do CBP.